Eu vi um homem morrer, uma vez.
Talvez não seja essa a melhor maneira de começar minha história. Por outro lado, tenho quase certeza que foi assim que ela realmente começou.
O trem que saia traçando as bordas da noite de Lyon até Paris era referto de bancos azuis e de pessoas das mais distintas feições. O grupo dos mais brancos, que se articulavam numa língua raivosa e acelerada, permanecia nas pontas do vagão. Os negros e aqueles que vestiam roupas mais extravagantes iam agarrados às barras de ferro do corredor iluminado.
Eu, sentado num banco separado de todos, ao som de baterias histéricas em uma rádio qualquer, via as vigas de metal grosso passarem correndo pela janela na minha frente.
Pelo que me lembro - pareço recordar de cada detalhe dispensável do que vos conto – ele não era um desses velhos curvos dos quais se espera a morte ou um desses adultos barrigudos e rabugentos dos quais, às vezes, se deseja a morte.
O menino deveria se encaixar na minha inocente concepção de um jovem adulto. Talvez em torno de 18 ou 20 anos. Sua roupa arrumadinha e a pasta de couro liso e escuro me diziam pouco – ainda que muito mais do que ele próprio chegou a me dizer. Os cabelos negros e cuidadosamente organizados em cachos curtos que lhe vinham ao rosto. Um casaco preto e uma camisa amarela quadriculada por dentro da calça jeans.
A maneira como ele, em pé ao meu lado, mudou de branco para verde e de verde para azul, me chamou atenção. Formulei, assim, a idéia de que as pessoas não ficam mudando de cor por aí.
Aos poucos, deslizando pela beirada do banco, ele sentou.
- Licença. – tirei os fones do ouvido – Você está bem?
- Sim, sim. – ele sorria um sorriso amarelo enquanto lágrimas cobriam suas espinhas. – Na verdade, estou ótimo.
Acredito que ele esperou de mim mais perguntas e odeio pensar que não atendi às suas expectativas. De qualquer modo, certamente apelando à sua própria necessidade de compartilhar seus sentimentos, ele continuou.
- Estive lutando contra leucemia durante os últimos oito anos e agora eu acabei de receber um email e... – ele abriu um dos sorrisos mais sorridentes que eu já tinha visto. Um daqueles bem infantis, bem inocentes. – Estou livre do câncer.
- Isso é incrível! Parabéns, cara. – bati levemente em seu ombro e lhe devolvi um olhar cortês.
- Estive esperando por quase metade da minha vida. E agora não. Vou comer o que quiser e quem quiser. Vou correr na rua e usar roupas estranhas. Eu vou viajar, vou dormir com mulheres exóticas em lugares exóticos... – mexia os braços, as mãos e os dedos, em danças independentes.
- Parece um bom plano. – meus lábios iam se alargando enquanto eu compartilhava de sua empolgação. – Parabéns mesmo. Você deveria comemorar.
- Eu vou comemorar pelo resto dos meus dias, cara. – ele passava a mão nos metódicos fios de cabelo e espalhava mais sorrisos amarelados.
Balancei a cabeça num sim animado, numa oportunidade única de me sentir realmente feliz por alguém que não eu. Tirei os fones do ouvidos e me juntei aos barulhos da noite. Sentindo-me parte do mundo. Parte de um todo que ainda não sei medir. Fechei os olhos, adormecido ou sonhando acordado.
Depois disso tudo aconteceu muito rápido.
Um estrondo me trouxe os olhos novamente abertos como reflexo. O chão se mexeu insistente, como em uma turbulência de avião, enquanto o teto parecia estar sendo silenciosamente comprimido. As barras de ferro se contorciam devagar e os gritos femininos se embaralhavam aos comentários assustados dos homens que se misturavam. Os trilhos passavam com dificuldade e a força dos motores só acelerava mesmo o nosso desespero.
A lataria do vagão se chocava ao duto de aquecimento e libertando litros e litros da água inquieta que mantinha o sistema em temperatura agradável. Os grandes tubos casados por uma fita de metal resistente se arrebentaram sobre o vagão cheio.
Nem as janelas de vidro lutaram contra a força da água extremamente quente.
O menino recebeu a força da correnteza que ia contra toda sua inércia. Chocou-se contra o suporte de metal brilhante à sua frente e despencou no chão lentamente. O cabelo cacheado e negro foi adquirindo um tom avermelhado. A imensidão de seus olhos claros foi se fechando ao passo que a água ia se dispersando pelo chão metálico. Os músculos relaxaram com o tempo que insistia em se arrastar. A boca se abriu, libertando água e um pouco da vida que ele ainda segurava em si. A coreografia de suas mãos parou e ele soltou o aparelho celular arranhado que agora já mostrava uma nova mensagem estática.
Saí, em silencio, do vagão já parado sem olhar para os lados ou sequer pra frente. Sentei na escada rolante desligada, tentando ignoram a oportunidade única de me sentir triste por alguém que não eu. Li a mensagem.
“O mundo agora é todo seu, meu filho. Te espero em casa.”
Chorei, então.
To toda arrepiada até agora... ai Leda... T.T você me fez chorar muito agora! QUE COISA MAIS LINDA! *-* Se tivesse dinheiro, te patrocinaria um livro, JURO! <3
ResponderExcluirnossa, você fez que fez? QUE LINDOOOO !
ResponderExcluirPARABÉNS, EMOCIONADA T.T beijoos
nossa que linda historia, to seguindo!
ResponderExcluirVelho adoreii mtoo perfeiito ainda maiis pra miim que naum gosto de históriias com fiinaiis felizes para sempre(na minha vida isso naum acontece)
ResponderExcluirparabéns ta de fuder mesm