03 janeiro 2011

Evaporar

Em cidade incógnita – situada em algum lugar perto de algum outro lugar, onde letreiros em prédio medianos colorem a noite e enlouquecem os possíveis focos dos olhares; onde homens desconhecidos à minha memória debilitada batucam, nas mesas de madeira apoiadas nas bordas das ruas, alguma música sem tom, como se em protesto diante da despedida precoce da noite – eu sento.
        Calado, imerso no ambiente de barulho e festa, pondero sobre meus ganhos no ano que, em breve, terá passado. Aprendi com a arrastar dos anos a não classificá-los como bons ou ruins – já que cada um deles é repleto de momentos, os quais, aí sim, classifico como bons e ruins. Meus anos, assim sendo, tem sido considerados produtivos ou inúteis.
Esse ano, asseguro-lhe, foi um dos meus mais produtivos. Não que tenha ganhado muito dinheiro, ou que minha saúde tenha melhorado, muito menos que tenha conhecido um – outro – grande amor. Digo isso apenas porque tive um saldo positivo, e para tanto, vivi mais momentos felizes do que tristes. Tristeza pra mim, ainda assim, é algo muito simplista – como se fosse uma felicidade que não reconheci, como se fosse uma sensação momentânea e idiota que me trouxesse a sensação de não estar mesmo vivendo e sim agüentando o tempo que me foi determinado.
            E nada disso, na verdade, importa. Sentado na varanda, na noite de 31 de dezembro de 2010 do calendário juliano, concluo que não há, nela, nada de singular – talvez porque seja velho demais ou tenha um espírito endurecido demais para ver magia nas coisas. Além das roupas brancas e dos excessivos abraços regados à juras de amizade eterna e votos de paz e sucesso, o passar do tempo e os movimentos típicos dos outros 364 dias do ano ainda mexem comigo da mesma maneira; de modo que não mexem...
        Tendo poucos ganhos a analisar, já que sou consumido e subtraído a um pedaço cada vez menor do homem robusto que fui, passo a observar a vida dos transeuntes, crente que isso, talvez, faça com eu me sinta mais ilustre; ciente de que a juventude de hoje é perdida em um mundo de sexo e embriaguez que nunca presenciei em meio tempo.
       Acrescento falas em minha cabeça a partir de seus mais selvagens movimentos. Todas elas, recheadas de meu preconceito octogenário, mencionam a rotina imbecil e incompreensível a que se entregam; fadados, acredito, a morrer em algum acidente sem causa plausível que não por sua irresponsabilidade juvenil.
       Fico observando enquanto eles sobem nos ônibus ainda em movimentos, ou trançam suas motos e bicicletas por entre carros e pedestres. Enquanto seduzem meninas que bailam ao som dos batuques que ainda ouço, com olhares maliciosos, como se já as comessem. Ficam ali parados e sinto suas reais vozes exaltadas numa conversa quase monossilábicas, até que um grunhe e vai embora.
         É o que me basta para dar risada. Levanto, fecho a porta da frente do casebre em que vivo e sento de novo, avaliando as cenas e, de fato, elas me parecem tão engraçadas que rio até chorar.
           E quando as lágrimas percorrem o caminho sinuoso de minhas rugas, eu penso:
           - Ah... Então é isso que significa estar sozinho.

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